A executiva e um trench coat

por Misha Gibson, que aprendeu recentemente o significado de feminismo

171 Todo Dia

Terça, 19 De Setembro De 2017 ás 06:00

A executiva e um trench coat

A executiva e um trench coat

A semana passada foi de anúncio da Apple sobre seus novos produtos. Teremos um iPhone 8 e um iPhone X. Teremos novos modelos de iWatch e teremos avanços tecnológicos para enlouquecer qualquer entusiasta da marca. Um evento legal que teve um acontecimento histórico tanto para a marca quanto para a área de tecnologia: uma mulher, com um cargo importante na empresa, falando. É histórico pelo simples fato de ela ser uma mulher de destaque num mundo dominado por homens.

Sempre foi um desafio ser mulher num mundo tecnológico. Muita gente ainda me olha desconfiada ao ver palavras como cooler, processador, compilador, debugger e código dos infernos na minha boca. Eu fiquei realmente impressionada quando fui a uma autorizada verificar o que aconteceu com o meu celular: todos os técnicos eram mulheres.

Voltando ao evento, a executiva da Apple fez o seu trabalho de enaltecer como os produtos da marca podem oferecer às pessoas uma experiência única de percepção do mundo e da vida, e como a sua equipe está trabalhando para fazer as pessoas entenderem de maneira mais agradável este conceito. Há quem diga que essa é a visão que vai continuar empurrando a poderosa marca para frente, mais do que as evoluções tecnológicas que a possibilita. Há quem diga que ela tem um trabalho fácil, uma vez que a marca já está estabelecida no mercado como avant-garde. E, por incrível que pareça, há quem diga mais sobre o trench coat que ela usava do que sobre o que ela dizia.

Acho que levará ainda algum tempo para que as pessoas achem normal que tecnologia também é uma coisa para mulheres. Assim como matemática, engenharias, física e outros ramos de exatas. É estarrecedor que até dias atrás eu não soubesse que mulheres tenham trabalhado na NASA para ajudar a colocar o homem na lua. É estarrecedor pensar que as primeiras pessoas a programar computadores tenham sido mulheres e que não lhes tenham dado o devido reconhecimento, como foi dado para os bravos homens que construíram e inventaram as máquinas. É estarrecedor que além das pessoas falarem sobre o trench coat, a mídia (e mea-culpa, outras pessoas) comentam e ajudem a propagar isso.

É tão descabido que ainda tenhamos que falar que o todas as pessoas tem os mesmos direitos, que não deveria haver discriminação de gênero ou qualquer outra coisa... Mas, é tão intrínseco em nosso discurso que essa discriminação passa despercebida. Falar sobre o trench coat da executiva é tão machista quanto dizer que ela deveria pilotar o tanque/fogão. Dizer que eu sou queridinha do chefe é tão discriminatório quanto dizer que toda mulher tem mais privilégios só por ser mulher. Dizer que todo japonês é mais inteligente ou mais nerd, ou mais obcecado por trabalho é tão estigmatizante quanto dizer que todo índio é preguiçoso. Eu não sou negra, não sei dizer o quanto é ruim conviver com piadinhas infames e ditos populares preconceituosos. No entanto, eu sou oriental e sei te dizer o quanto é degradante ouvir piadinhas sobre o formato de minhas partes íntimas ou sobre o meu modo de agir. Eu sou mulher e sei te dizer o quanto é horrível ouvir que posso ter usado de outras habilidades além do meu esforço e dedicação ao meu trabalho para conseguir o que tenho hoje. Sinto como se desprezassem toda a minha vida profissional. Imagino como essa executiva se sinta quando dizem que o casaco dela parece isso ou aquilo, ou o quanto era feio ou bonito. É como se o que ela falasse não tivesse crédito nenhum. Um descabimento.


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