*Silvia Rahe Pereira: Bióloga, Doutora pela UFSCAR em Ecologia e Recursos Naturais e Bolsista da Embrapa *Frederico Valente: Engenheiro, especialista em Engenharia Sanitária e Gestão Pública, foi Pre
Águas do Guariroba – situação e perspectivas
De onde vem a água que serve Campo Grande? Corremos risco de falta de abastecimento? Começamos a nos perguntar sobre tais questões frente à crise no fornecimento de água em diversas cidades mundo afora, ocorrida nos últimos meses. Para respondê-las, vamos inicialmente, a um breve histórico. Quando em março de 1987 a Sanesul inaugurou o Sistema Guariroba, não havia tecnologia para retirar a água mais barata e potável das profundezas do então chamado “Arenito Botucatu”, o que hoje está resolvido. Foi então necessária a execução da grande e custosa obra para trazer água do Córrego Guariroba a uma distância de 30 km e elevá-la 200 metros, para chegar até a estação de tratamento (ETA) e atender Campo Grande até o ano 2000.
Passados 28 anos, a Bacia do Guariroba ainda é a principal fonte do abastecimento da Capital sendo responsável por 38% deste. Por conta disso, já naquela época foram iniciados alguns estudos por um grupo técnico polivalente, composto não só por especialistas da SANESUL, como também do órgão ambiental e da sociedade civil, visando a preservação e sustentabilidade do manancial. Esses estudos acabaram fornecendo subsídios à Constituição Estadual de 1989 que contemplou a questão da água em diversos artigos, e também ao Poder Público Municipal que instituiu em 1995 a Área de Proteção Ambiental dos Mananciais do Córrego Guariroba (APA do Guariroba).
Na elaboração do seu Plano de Manejo publicado em 2008, detectou-se que a progressiva substituição da vegetação natural por pastagens cultivadas, associada a situações em que o manejo do gado e do solo não foi compatível com a capacidade de suporte ambiental local, gerou impactos expressivos na Bacia, sobretudo no que se refere a processos erosivos e ao assoreamento dos corpos d’água naturais e também da represa de captação. Como consequência, já é detectada atualmente diminuição da lâmina d’água e da sua vazão.
Em atenção a essa preocupação, uma ampla proposta de recuperação de toda Bacia foi instituída pela Prefeitura. O Programa Manancial Vivo é uma experiência de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) para proprietários que implantem práticas e manejos conservacionistas e de melhoria da distribuição da cobertura florestal na paisagem, contribuindo para o incremento de biodiversidade, aumento da infiltração de água e redução efetiva da erosão e sedimentação. A Prefeitura, com recursos da Agência Nacional de Águas, custeia 40% dos investimentos dos produtores com as medidas de preservação ambiental adotadas em cada propriedade. Além disso, cada um receberá por cinco anos uma compensação financeira anual por hectare preservado, como PSA. Apesar do Programa já estar em andamento desde 2009, este ainda apresenta alguns gargalos que devem ser enfrentados.
Deve-se haver o entendimento que sua implantação em toda a extensão da Bacia extrapola os períodos de mandatos da gestão municipal. Desde seu início, há seis anos, duas das cinco sub-bacias foram atendidas. Sob pena de cair no descrédito do produtor, deve-se evitar, a todo custo, a perda de celeridade na execução das atividades previstas. O novo fôlego ganho com a assinatura dos contratos com os produtores da 2ª fase e o lançamento do edital da 3ª fase agora no mês de março não pode ser perdido, independente de troca de gestores.
O produtor precisa ser definitivamente “convencido” de que o Programa é uma boa oportunidade! Ele receberá subsídios para parte da execução das intervenções, apoio técnico para a elaboração do projeto de adequação da propriedade, terá acesso às tecnologias já existentes para a melhoria na produção de forma sustentável e, ao fim ainda receberá parte do investimento de volta na forma do PSA. Independentemente do Programa, já teriam que executar diversas intervenções para atender, tanto ao plano de manejo da APA, como às demais leis ambientais vigentes, e já estão sendo cobrados pelo Ministério Público.
Outro ponto a ser enfrentando seria a segurança de disponibilidade de recursos para do pagamento do PSA. Este tema começou a ser efetivamente discutido no mês anterior e, sabendo que o pagamento do PSA representa a força motriz do Programa, deve-se definir as estratégias de longo prazo para garantir recursos suficientes para seu pagamento: a utilização de parte dos recursos do Fundo Municipal do Meio Ambiente? A concessão mais de recursos oriundos de Termos de Ajustamentos de Conduta, assim como o primeiro aporte advindo de um TAC com a JBS? É preciso deixar claro isso.
Uma quarta questão, mais operacional e ainda pouco discutida seria a organização da cadeia de produção de sementes e mudas de espécies nativas (ainda pouco estruturada) para subsidiar a restauração de APPs na região. O cenário ideal de plantios com alta diversidade de espécies e com mudas resultante de coleta de sementes da própria Bacia ainda é muito distante da realidade.
Garantindo o entendimento que a água é de todos e cada um deve cuidar da sua, a fiscalização social deve ser constante. É necessário que o trabalho do grupo de discussão criado no último dia 20 de março, com representantes de diversos segmentos da sociedade para atuar no acompanhamento de temas relativos ao uso e preservação da água, não desacelere à medida que as notícias sobre a escassez de água comecem a rarear. Por fim, respondendo às perguntas iniciais, ainda estamos distantes da situação enfrentada pela população de São Paulo. Segundo estudos recentes, apesar de já ter havido uma redução na produção de água do Guariroba, há condições de duplicar a oferta deste recurso, à medida que haja controle da quantidade de sedimentos que vão parar na represa. Para isso é preciso recuperar e preservar.
Engenheiro, especialista em gestão pública, foi secretário de Estado de Planejamento
E-mail: valente@campogrande.net