Profissionais de Mato Grosso do Sul

Frederico Valente

Sexta, 15 De Maio De 2015 ás 06:00

Profissionais de Mato Grosso do Sul

Profissionais de Mato Grosso do Sul

Vou relatar um fato do século passado, mas que serve de exemplo e ainda está valendo. Aconteceu em 1981, o então recém nomeado Governador Pedro Pedrossian decidiu, bem ao seu estilo, que a marca de seu curto mandato seria a construção do Parque dos Poderes.
Para tanto determinou ao seu então Secretário de Obras, que buscasse empresas de São Paulo para fazer os projetos a toque de caixa. Eu presidia a Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Campo Grande, que vivia momentos de bastante mobilização e presença constante na discussão dos problemas da cidade e do estado. Simultaneamente era engenheiro do quadro de empregados da SANESUL.
Em um determinado dia o Governador veio até a Empresa, para reunir-se com a  diretoria, e tratar dos projetos e obras de saneamento de seu governo incluindo o futuro Parque dos Poderes.
Foi a oportunidade para lhe relatar alguns fatos de interesse do governo e da classe dos engenheiros e arquitetos do estado, que não viam motivo para buscar fora os projetistas tanto de arquitetura como urbanísticos, estruturais e de instalações. Na conversa foi relatado o sentimento de contrariedade dos profissionais do estado diante da possibilidade de entrega para empresas de fora, a elaboração dos projetos mais importantes do Governo, especialmente da sua futura sede, que ele desejava construir na área preservada do desbarrancado, nascente do Córrego Prosa e onde ainda se captava “in natura”, água para Campo Grande.
Ele contra-argumentou que tinha menos de dois anos de mandato e queria entregar as obras a tempo, sendo portanto imprescindível a rapidez dos projetos, ao mesmo tempo que indagou se aqui haviam profissionais que pudessem atender com qualidade a urgência dessa demanda.
Sabedores de que haviam muitos profissionais altamente qualificados para isso, oferecemos a Associação dos Engenheiros e Arquitetos, e com o devido aval também o IAB MS, para organizar um concurso de projetos, abrindo oportunidade a todos, garantindo a legalidade e qualidade dos trabalhos e, ao distribuir cada projeto a profissionais diferentes, atenderíamos a urgência necessária.
O detalhe interessante é que a Associação e o IAB eram entidades ativistas que faziam política pela volta da democracia e portanto contraria à ditadura e aos que estavam ao seu lado, como era o caso de seu governo. Naturalmente ele como Governador sabia disso tudo, mas não teve dúvidas, e sem consultar ninguém como também era seu estilo, topou na hora nossa proposta. Óbvio que nos nossos argumentos citamos o nome de profissionais como Dr. Euclides de Oliveira, Jurandir Nogueira, Rubens Gil, Alex Maymone, e outros que ele conhecia e sabia da competência técnica e responsabilidade, para fazer projetos com a qualidade e rapidez necessárias.
Combinamos também que os preços seriam aqueles constantes da tabela que essas entidades disponibilizavam e eram praticados no mercado.
Houve ampla liberdade para organizar o concurso e aqui outro detalhe interessante, a comissão julgadora do concurso era composta por profissionais que as entidades escolheram, e que naturalmente não participavam do certame, tendo apenas um representante do Governo. Cada proposta foi examinada e julgada na sala de reunião da Secretaria de Obras, e para cada prédio foram encaminhados os três melhores ante-projetos para escolha pessoal do Governador, que aceitou todos os resultados da comissão, exceto no caso do Palácio Popular da Cultura, onde preferiu o segundo lugar proposto pela comissão, projeto do Arquiteto Rubem Gil de Camilo, que também foi considerado muito bom no julgamento.
Além dos projetos arquitetônicos a concepção urbanística e ambiental do Parque dos Poderes foi objeto do concurso e definida pela comissão julgadora. As nascentes dos córregos foram preservadas e os prédios deveriam ser construídos com o mínimo de desmatamento possível, o que foi obedecido inicialmente, mas com o tempo ignorado e deformado, principalmente por alguns prédios federais e mais recentemente pelo próprio IMASUL.
Esse foi um importante momento de demonstração da importância que tem as diversas entidades que não sendo formalmente governo, são instrumentos eficazes na parceria e transparência dos atos de interesse maior da sociedade. Foi também uma forte demonstração da capacidade do poder local resolver seus próprios problemas.
Além disso, os profissionais se mobilizaram, formando grupos e consórcios para em conjunto discutirem novas idéias e exercitarem a criatividade, gerando resultados que acabaram surpreendendo a todos. Foram momentos em que, mesmo ainda no período da ditadura, a transparência, o interesse  público, a liberdade de criação, ou seja, os valores maiores da política afloravam e deixavam a esperança que o novo Estado poderia ser realmente um modelo para o Brasil.
O tempo passou e muita coisa mudou, mas como o que foi bom deve ser sempre lembrado, fica aqui esse registro, acompanhado de uma preocupação.
Tal preocupação se deve ao formato que está sendo dado para a reforma do aparelho estatal pelo Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, alias importantíssima para a melhoria da gestão pública. Com certeza seria mais produtivo se o assunto fosse tratado de forma mais transparente e com maior participação dos profissionais locais, que hoje são em número muito maior e quiçá com muito mais competência, que naquela época.
 

Frederico Valente

Engenheiro, especialista em gestão pública, foi secretário de Estado de Planejamento

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